É nulo julgamento composto só por juízes convocados
por Priscyla Costa
Julgamentos feitos por colegiados formados, majoritariamente, por juízes convocados, violam o princípio do juiz natural e por isso são nulos. Com este entendimento a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou julgamento de recurso feito pela 1ª Câmara “A” do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Criada para remediar o acúmulo de processos do TJ paulista, a Câmara, à época, era formada por três juízes convocados. Apenas o presidente era desembargador. Eles analisaram o recurso de um acusado de homicídio e mantiveram a sentença de pronúncia. A defesa recorreu ao STJ. Pediu a nulidade absoluta da decisão. Primeiro pela violação do juízo natural. Segundo porque os juízes esqueceram de intimar o advogado quando analisaram o recurso da defesa.
Em São Paulo, o sistema de substituição de juízes foi criado e regulamentado pela Lei Complementar Estadual 646, de 8 de janeiro de 1990. Existe também uma Resolução do Tribunal de Justiça paulista (Resolução 204/05), que trata da matéria.
O Supremo Tribunal Federal já entendeu pela constitucionalidade da lei paulista e admitiu a possibilidade de se criar cargos de juízes substitutos por lei. A matéria também já foi suscitada pelo Conselho Nacional do Ministério Público ao Conselho Nacional de Justiça. O pedido foi arquivado em abril de 2007. O CNJ entendeu que a jurisprudência do STF era pacífica no sentido de reconhecer a legalidade de manter juízes substitutos nos tribunais.
A questão da quantidade de juízes nas Câmaras também já foi levada até o STF. O ministro aposentado do Supremo, Nelson Jobim, no julgamento do pedido de Habeas Corpus 81.347, pela 2ª Turma, alertou ser necessário distinguir as situações: constitucionalidade do sistema e composição das Câmaras majoritariamente por juízes convocados.
Jobim chegou a afirmar que o argumento de nulidade do julgamento feito por juízes convocados impressiona, mas não por causa da inobservância das regras do juízo natural e sim por questões de hierarquia, porque os tribunais se opõem a aumentar o número de desembargadores e resolver o problema. A questão, no entanto, não foi resolvida. Jobim concluiu que o HC não questionava a quantidade de membros convocados, mas apenas a forma de composição pelo sistema de substituição.
No julgamento do Habeas Corpus 84.414, o ministro Marco Aurélio também suscitou a questão. Ele opinou pela anulação do julgamento por Câmara composta na maioria por juízes convocados. No caso analisado, os juízes atuaram como relator e revisor. Assim, tiveram papel preponderante para convencer os demais julgadores.
Marco Aurélio foi voto vencido junto com Carlos Britto, que considerou que há risco de se fugir da tendência do tribunal quando a Turma julgadora é composta majoritariamente por juízes convocados.
No Superior Tribunal de Justiça, antes de a ministra Maria Thereza decidir pela nulidade do julgamento, o ministro aposentado Wilson Patterson, no Habeas Corpus 9.405, também vindo de São Paulo, assim como os HCs analisados pelo Supremo, já tinha afirmado que são nulos os julgamentos proferidos por Turma formada, na maioria, por juízes de primeira instância.
Maria Thereza repetiu os argumentos do ministro aposentado do STJ e foi além. Disse que a criação de turmas julgadoras compostas integralmente por juízes de primeira instância foi reservada pela Constituição Federal apenas para os casos de infração de menor potencial ofensivo, de acordo com o artigo 98, inciso I.
Na decisão do caso analisado pela 6ª Turma, Maria Thereza afirmou que mesmo existindo leis que admitam a convocação de juízes, “o que não pode ser aceito é a criação de câmaras apenas presididas por um desembargador, e, no mais, compostas exclusivamente por juízes convocados”.
Segundo a ministra, o que aconteceu no caso da turma julgadora do TJ paulista foi que todos os juízes participaram do julgamento como relator, segundo juiz e terceiro juiz. “Formou-se, em verdade, uma turma julgadora equiparada à turma recursal dos juizados especiais criminais, exclusivamente por juízes de primeira instância. Penso que, quando a Resolução do Tribunal de Justiça de São Paulo, dispôs que o juiz substituto em segundo grau poderia oficiar o relator, revisor ou vogal, não quis dizer que eles poderiam sê-los a um só tempo, formando uma única câmara”, afirmou.
Ironia
O julgamento no STJ contou com o voto do juiz convocado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Carlos Fernando Mathias, que acompanhou a relatora. Ele escreveu que nunca mandou para as turmas suplementares do TRF, formada por juízes convocados, qualquer processo. “Tal fato me dá um certo alento, não para dizer: ‘eu não disse’. Mas exatamente porque estão ali membros que não integram o tribunal”, considerou.
“São todos jovens, com muito talento — nenhum reparo quanto a isso — mas exatamente o princípio do juízo natural que era afetado e não sei até como o Ministério Público, nem a Ordem dos Advogados do Brasil não avançaram nisso, porque fere o princípio do juízo natural e toda a história do Direito. A declaração dos direitos dos homens e do cidadão já dizia como garantia que ninguém poderá ser julgado a não ser por um juiz natural”, afirmou Fernando Mathias.
Também votou com Maria Thereza, o ministro Hamilton Carvalhido. Ele fez a ressalva de que não é nulo o julgamento feito por turma que tem em sua composição juízes convocados, mas o que disse não poder admitir é a “composição de câmaras formadas majoritariamente por juízes convocados”.
Segundo seu entendimento, “em casos tais é de se afirmar ofensa ao princípio do juiz natural, bem como das normas dos artigos 93, inciso III, 94 e 98, da Constituição da República”. Os artigos prevêem que o acesso aos tribunais será por antigüidade e merecimento e dispõe sobre a formação dos juizados especiais.
A decisão da 6ª Turma foi tomada no mês de setembro e o acórdão foi publicado em novembro. Não há mais possibilidade de recurso. O processo voltou para o Tribunal de Justiça, para que desembargadores decidam sobre o futuro do acusado de homicídio.
Fonte: Conjur