quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Personalidades divergem sobre férias de 60 dias



De volta aos debates no Conselho Nacional de Justiça, o direito dos juízes a férias de 60 dias foi assunto no lançamento da 6ª edição do Anuário da Justiça de São Paulo, nesta quarta-feira (20/2), no Tribunal de Justiça do estado. A polêmica é objeto de estudo de uma comissão no Supremo Tribunal Federal encarregada de elaborar um projeto de lei que pode colocar fim ao benefício tanto para juízes quanto para membros do Ministério Público. A comissão, de iniciativa do presidente do Supremo, ministro Joaquim Barbosa, é presidida pelo ministro Gilmar Mendes.

Para o presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, desembargador Newton De Lucca, a profissão de juiz é diferenciada, assim como a dos professores, o que justifica o período de descanso maior que o de outras carreiras. “Professores têm quase três meses de férias, porque, senão, suas cordas vocais não aguentam”, exemplifica. Segundo ele, o princípio da isonomia reza que se trate desigualmente os desiguais.
O desembargador Paulo Dimas, ex-presidente da Associação Paulista de Magistrados, afirma que o benefício decorre do fato de os juízes “serem juízes durante 24 horas por dia”. “Se decidirem tirar esse direito, terão de compensar os magistrados de outra forma.” Régis Castilho Barbosa, também desembargador, concorda. “Levamos muito trabalho para casa. E trabalhamos muito mais do que oito horas por dia”, justifica. 
Na opinião do desembargador Tristão Ribeiro, presidente da Seção Criminal do TJ-SP, o período extra é necessário para que o magistrado “recomponha suas energias”. “Trata-se de um trabalho eminentemente intelectual”, diz. Segundo ele, a opção seria o retorno das férias coletivas nos tribunais, durante os recessos.
“Nessas horas, é preciso ser corporativista. Juízes precisam travar essa luta porque esse período de descanso é usado para trabalhar”, acrescenta Carlos Henrique Abrão, juiz substituto em segundo grau na corte. “É um período válido de descanso, um momento preciso para limpar a cabeça e voltar, para resolver os casos da sociedade”, concorda o advogado Ricardo Rollo Duarte. “Juízes são mal remunerados.” 
Os sócios Antônio de Pádua Nogueira Caio Márcio de Brito Ávila defendem a manutenção das regras atuais. “A profissão de magistrado é diferenciada, tem obrigações exclusivas. O juiz é submetido a um estresse diferente do de outras profissões”, afirma Nogueira. “Não se tem ideia do volume de trabalho que um julgador acumula em seu gabinete”, completa Ávila. 
Roberto Mac Cracken, desembargador da Seção de Direito Privado do TJ, afirma ainda que boa parte dos juízes usa o período adicional de férias para colocar o serviço em dia. “O ideal seria termos um Judiciário mais estruturado para que não se trabalhasse nas férias. Mas isso depende de uma reforma ampla”, defende. “Talvez isso venha com uma nova Lei Orgânica da Magistratura.” 
Segundo o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, a questão passará pelo julgamento da constitucionalidade da Lei Orgânica da Magistratura, que está pendente no STF. Mas ele não quis adiantar seu posicionamento sobre o assunto.  
Para o desembargador José Jacob Valente, os argumentos da magistratura são justificáveis, mas dificilmente convencerão politicamente. “Essa tese não encontra muito respaldo nos dias de hoje. Não defendo, mas entendo que o descanso seja justificável”, diz.  
Prejuízo ao jurisdicionado
Entre os advogados, as opiniões se dividem. Os que discordam que os magistrados possam tirar férias de dois meses lembram que a advocacia não tem sequer um, devido ao fim das férias coletivas no Judiciário. Mas há também os que defendem o descanso para os julgadores. 

O conselheiro federal da OAB e ex-presidente da OAB-SP Luiz Flávio Borges D’Urso lembrou que a OAB tem resistência ao descanso em dobro de juízes, enquanto a advocacia não tem direito semelhante. “O ideal é que voltassem as férias coletivas, o que seria bom para o juiz, o promotor e o advogado”, afirma. “A Justiça não pararia, mas os prazos não seriam contados.” 
Sérgio Rosenthal, presidente da Associação dos Advogados de São Paulo, bateu na mesma tecla. “Todos têm direito a 30 dias de férias. Mais do que isso é excessivo. Esperamos que isso seja revisto”, afirma.  
Para o advogado Alberto Zacharias Toron, férias de 30 dias são suficientes para todas as categorias. “Advogados também sofrem e mal tiram férias”, lembra.
O advogado e ex-governador Cláudio Lembo também torce o nariz para a benesse. “Tudo aquilo que é contrário ao que recebe a média da sociedade é bom que seja discutido. Dois meses de férias é bastante”, avalia.  

“É um instituto que não atende aos preceitos da equidade”, critica o criminalista Eduardo Carnelós. “Compreendo os argumentos de quem defende o benefício, mas não é justo no nosso país.” 
Na opinião do professor Arnoldo Wald, mesmo que as férias de 60 dias continuem, é preciso encontrar uma maneira para que a corte não pare durante o descanso individual. Ele também citou as férias coletivas como solução.  
Professor de Direito Financeiro e Tributário na Universidade de São Paulo, o advogado Fernando Facury Scaff arrisca apontar a raiz da discussão. Segundo ele, a resistência dos juízes em abrir mão do direito tem motivo econômico. “Juízes não gozam férias de 60 dias. Eles vendem um terço de suas férias. É isso que precisa ser discutido”, diz.  
Para o ex-presidente da Aasp, Arystóbulo de Oliveira Freitas, um erro desencadeou a discussão. Segundo ele, a advocacia errou quando apoiou o fim das férias coletivas. “Hoje em dia, as câmaras de julgamento ficam desfalcadas devido às férias individuais dos desembargadores”, exemplifica. “Por isso, é preciso discutir com cuidado essa mudança.”  
Também prescreve cuidado o presidente da comissão de Direito Tributário da OAB-SP, Jarbas Machioni. “Férias de 60 dias é tradição e é desnecessário mudar. Essa discussão é uma bobagem, motivada por populismo”, diz. “Celeridade nos julgamentos não vai ser alcançada só cortando férias de juízes.”